Amsterdam, 2018 |
Parte expressiva da formação do arquiteto urbanista é o estudo de planos, projetos e legislação urbanística de países americanos e europeus tidos como modelos referenciais. Desde as renovações pioneiras de áreas centrais como as de Londres e Glasgow (Grã-Bretanha), Barcelona e Bilbao (Espanha), de Berlin e Hamburgo (Alemanha), passando pela experiência de Cerdá em Barcelona, nos Jogos Olímpicos de 1992, até as requalificações de infraestrutura portuária, como a de Puerto Madero, em Buenos Aires, ou do Saint Katherine´s Dock, no Rio Tamisa, em Londres. Para enumerar alguns projetos sobre os quais, certamente, todo estudante de arquitetura e urbanismo já se debruçou.
As
cidades milenares são campo de intenso trabalho de remodelação, reavivamento e
reuso do tecido urbano. São camadas, palimpsestos[1] de projetos que avultam instrumentos legais para as
politicas públicas, além de tecnologia construtiva de restauro para reforma e construção.
A expertise internacional está sendo lapidada há séculos e tem eficiência
comprovável nas cidades europeias, através da conservação do patrimônio arquitetônico
e cultural, da ordem conscienciosa entre tudo e todos que convivem no meio
urbano e do abrangente sistema de modais de transporte público, que mantem a
fluidez dos moradores e visitantes e o uso integral dos espaços.
No
Brasil, os principais instrumentos internacionais de urbanização foram
transportados para o Estatuto da Cidade e para os Planos Diretores e
Estratégicos das grandes cidades. São Paulo, Rio de Janeiro,
Curitiba e Recife, foram algumas das cidades que implantaram festejados modelos de requalificação de áreas centrais e
portuárias. Se eles funcionam como lá fora, no entanto, é outra questão.
Alguns
críticos questionam a importação de modelos sem considerar as especificidades,
realidade local e fragilidades sociais e consideram que a adoção de
"ideias fora de lugar" (SCHWARZ, 1999, 98 apud MARICATO 2000, 121), é
solução, quando muito, parcial. A última
e mais marcante intervenção nacional, que tem os melhores precedentes em muitos
países da Europa, Ásia e América do Norte, é um exemplo dessa condição de
pertinência. Sim, estamos falando das Ciclovias na cidade de São Paulo.
Presumidamente,
o projeto de ciclovias implantado em São Paulo, não tem a adesão esperada. É
presunção pelo fato de não haver ainda, nenhum estudo publicado com dados sobre
um eventual aumento nas vendas de bicicletas; diminuição do número de carros
nas ruas; diminuição do número de pessoas nos transportes públicos; aumento do
número de locação de bicicletas nos bicicletários do metrô etc. Mais é visualmente
verificável em trechos pouquíssimos utilizados, onde se observam obstáculos
como árvores, buracos e desníveis, além da evidente falta de segurança causada pela
invasão de carros, motos e até ônibus nas ciclofaixas sem balizadores.
Uma
analise anterior às condições das ciclovias que queremos, é pensar os ciclistas
– que não temos. Andar de bicicleta é algo cultural e em cidades como Amsterdã
e Copenhague, mais da metade dos moradores pedalam diariamente, sem
necessariamente terem ciclofaixas ou pistas exclusivas. Também no Japão, onde existem pouquíssimas ciclovias e as bicicletas seguem sempre à esquerda dos
carros e todos juntos são responsabilizados por problemas que possam ocorrer no
convívio nem sempre fácil.
São
Paulo apresenta grande dimensão territorial, com topografia irregular e traçado
orgânico o que prejudica, quando não inviabiliza o deslocamento de veículos não
motorizados, fato que justifica o paulistano não ter culturalmente o hábito de
andar de bikes nas ruas. Afora a lacuna na cultura, as ciclovias por si só não resolvem,
pois é preciso oferecer também modais para vencer os quilométricos percursos dos
trabalhadores e prováveis usuários. Quem sabe até uma balsa sobre o rio
Pinheiros?
Será
que faltou um planejamento integrado? Será que a Prefeitura deveria criar incentivos
para a aquisição e uso de bicicletas (nos moldes do que o governo federal fez
para vender mais carros)? Será que novas leis deveriam ser criadas para
disciplinar o compartilhamento do trânsito?
Seja
como for, depois de décadas aplicando inalterados modelos urbanísticos, temos
alguns “estudos de casos nacionais”. Esses tropeços nos ensinaram que bons modelos
urbanísticos, como as ciclovias, podem e devem ser adotados, desde que adaptados
à realidade local.
Referências Bibliográficas:
Maricato, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das
idéias. Em A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 2000 – Editora
Vozes
Sites:
http://veja.abril.com.br/blog/cidades-sem-fronteiras/transporte-e-transito/ciclovias/
http://www.japaoemfoco.com/regras-para-quem-anda-de-bicicleta-no-japao/
[1] Substantivo
masculino. Papiro ou
pergaminho cujo texto primitivo foi raspado, para dar lugar a outro. (http://www.dicionarioinformal.com.br/palimpsesto/)