20 de mar. de 2021

A MULHER E A CIDADE

Padrões de gênero e a cidade

A cidade é uma criação complexa e extraordinária construída por muitas mãos e histórias ao longo de centenas de anos e que apesar desses cruzamentos de vivências e experiências que perpassam a sua construção, o artefato resultante é antes um manifesto ideológico que sob a luz da análise antropológica, revela uma base patriarcal que se impôs desde os primeiros tempos.

As ideias feministas emergentes na atualidade trouxeram mais clareza e compreensão da noção patriarcal que se tinha sobre as mulheres nos contextos da construção (lar) e do espaço público (rua). A ideia do confinamento da mulher dentro do espaço doméstico e do seu expurgamento do espaço público se deu em nome da “fragilidade feminina”, discurso esse que perpetrou a cultura nacional e fortaleceu a dicotomização entre homens e mulheres.

“A mulher está para o mundo privado doméstico, assim como o homem está para o mundo público e político”. (CARLOTO; MARIANO, 2010)

Nossas construções nacionais que servem exclusivamente ao feminino foram planejadas e erguidas pelo patriarcado. Desde os internatos femininos do século XVIII, passando pelas escolas exclusivas de meninas do século XIX, até a 1ª penitenciária feminina do século XX, erguida na cidade de São Paulo onde a punição institucionalizada pelo estado brasileiro era treinar e aperfeiçoar os “dons domésticos” das transgressoras, sob a supervisão da Igreja Católica. Isto posto, denota o pensamento que norteou os desenhos fundacionais das construções e da cidade e que determinou que o espaço público não é lugar de mulheres. As decisões tomadas séculos atrás ainda repercutem negativamente na dimensão social que caracteriza a vida da mulher nas cidades e que por serem excludentes e repressoras do feminino, a colocam em risco.

 

A cidade e a equidade

A equidade de gênero é uma conquista das economias e sociedades que estão há mais tempo trabalhando com as questões da desigualdade entre homens e mulheres. Os países nórdicos apresentam os maiores índices de paridade, enquanto o Brasil ocupa a 92ª posição no ranking, onde a primeira colocação cabe ao país menos desigual e a última ao mais desigual, entre 153 países analisados. Embora o Brasil apresente paridade de gênero na formação acadêmica, os índices de renda média e salários são desproporcionais entre homens e mulheres, segundo o relatório do Fórum Econômico Mundial sobre desigualdade de gênero. (Cidades, 2019)

A baixa participação das mulheres como lideranças políticas a frente de Instituições públicas e Secretarias ou compondo os Ministérios e o Congresso Nacional, denotam a disparidade entre homens e mulheres. A invisibilidade feminina na política e em cargos de decisão, cria um círculo vicioso que impede as mulheres de alcançarem as altas hierarquias de poder e por isso, não se avançam projetos, leis de incentivo e todo cabedal legítimo de garantias para equidade.

As cidades brasileiras, de norte a sul, apresentam diferentes níveis de equidade que são desdobramentos de aspectos culturais e econômicos de cada lugar. Em análise a dimensão cultural, as grandes capitais estão mais abertas para a recepção e acolhimento de valores que incorporem o progresso humano e mais afeitas para a equidade. Mas, em face a vulnerabilidade social nos territórios das grandes cidades, a desigualdade socioespacial limita a qualidade das oportunidades escolares e impõe desafios para homens e mulheres.  

 

Cenário atual

As transformações do espaço geográfico, estão intimamente ligadas aos meios de produção e ao trabalho. São as relações econômicas e sociais que desenham e redesenham a cidade através do tempo e são resultantes de modelos redutores e ideológicos de urbanismo, ou são arranjos, decorrentes da divisão espacial, do zoneamento baseado na concepção funcionalista da organização prática das atividades setoriais econômicas.

Estamos vivendo um momento atípico, de incertezas com relação ao futuro, que somam novos temas as discussões sobre o atual modelo urbano das cidades. A crise sanitária causada pela pandemia da COVID-19, que reforçou o que não queremos mais nas cidades: a homogeneização e hierarquização do espaço urbano e a urbanização com tendências à segregação. Esse desenvolvimento econômico desigual, colocou a maior parte da população em situação de vulnerabilidade por pobreza e miséria e a exclusão do acesso a bens e serviços e o desfavorecimento das regiões mais carentes, está nitidamente atrelado a limitação na prevenção aos riscos da pandemia.

Por outro lado, a crise sanitária com suas medidas de distanciamento, incorporou o mundo digital a rotina das pessoas e novos conceitos de morar e trabalhar foram criados. Esse impulso tecnológico impacta as cidades de diferentes formas, já que o comportamento digital gera uma cultura regimentada por regras próprias que customizam, novas formas de viver, paralelas a realidade das cidades. 

A complexidade do atual cenário exige intervenções cuidadosas em cada pedacinho do tecido da cidade e não pode ser feita sem a presença da comunidade. É assim, que a população pode se envolver e contribuir para as decisões que vão influenciar diretamente, o futuro dos seus bairros e comunidades. O planejamento participativo, que sempre foi precípuo nas decisões, é agora a base fundamental para abrigar o cenário que queremos ver nas cidades.

 

A cidade que queremos

A cidade é um organismo vivo, com capacidade de regeneração e pode ser moldada e adaptada para novas demandas. E é função da arquitetura e do urbanismo melhorar a qualidade das cidades, ampliar as oportunidades e reduzir as desigualdades.

Jane Jacobs (1916-2006), urbanista e ativista social, nascida nos EUA, escreveu no início da década de 1960, um dos mais influentes estudos urbanos, “Morte e Vida das Grandes Cidades”. Categórica crítica da tendência urbana em vigor nos anos 50, do espraiamento dos subúrbios e da construção de casas individuais, das expressivas demolições para a construção de novos edifícios, do culto ao automóvel particular e das rodovias. A autora valoriza a cidade multifuncional e compacta, em cuja relação entre o número de habitantes que nela vivem e a infraestrutura urbana disponível esteja balanceada em seus limites ótimos. As várias formas de uso do espaço, aproxima as pessoas e as protege, sob os muitos olhos que por ela circulam.

Jacobs, em oposição ao planejamento de concepção funcionalista e autoritária, incorporou a humanização dos processos de planejamento urbano, com a participação popular nas decisões públicas. Vivenciar os bairros e seus moradores e todo mosaico de relações e vínculos que se estabelecem no cotidiano e entender as diferentes dimensões humanas que extrapolam as questões meramente funcionais da cidade, são prerrogativas indispensáveis para favorecer bases igualitárias entre homens e mulheres. A humanização nos processos de gestão das cidades, feitas também, por mãos femininas, tem potencial para abrir novos caminhos, resolver anseios represados e abrigar novas causas. 

“Subsidiariedade é o princípio de que o governo funciona melhor - de forma mais responsável e responsiva - quando está mais próximo das pessoas a quem atende e das necessidades que aborda.” (JACOBS, 1961)

As ferramentas de planejamento urbano que incorporam essas diretrizes, geram estudos e debates com a comunidade na escala do bairro e proporcionam qualidade de vida e bem estar social. E nesse sentido, as associações de moradores tem papel fundamental na prevenção da violência, na promoção da diversidade, no suprimento das necessidades de trabalho, saúde, educação e socialização.  As políticas públicas feitas a partir de planos diretores espontâneos, comunitários, podem contribuir verdadeiramente para a cidadania plena.

 

CARLOTO, Cássia; MARIANO, Silvana. No meio do caminho entre o público e o privado: um debate sobre o papel das mulheres na política de assistência social. Estudos Feministas, v. 18(2), Florianópolis, maio-agosto 2010, p. 451-471.

JACOBS, Jane. Morte e Vida das Grandes Cidades. Carlos S. Mendes Rosa (Trad.). Rio de Janeiro: Editora     Martins Fontes, 2000.

TERRA CIDADES. Brasil sobe em ranking de igualdade de gênero, mas ainda ocupa a 92ª posição. 2019. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/brasil-sobe-em-ranking-de-igualdade-de-genero-mas-ainda-ocupa-a-92-posicao,54c137b14b632bbada380b295af24442nolp3dry.html Acesso em: 05.03.2021.

30 de nov. de 2019

O que tem nos miolos das quadras de Barcelona?


O envelhecimento e abandono das construções e das cidades


Aconteceram muitas tragédias nos últimos tempos - e todas evitáveis -, já que a maior parte foi por descaso às normas de segurança das construções e de seus ocupantes.

Foram rompimentos de barragens, incêndios de edifícios, enchentes, deslizamentos de encostas e colapsos parciais de pontes e viadutos. A sequência de tragédias, quase diária, é um acerto de contas das construções fora das normas de segurança e de proteção e combate a incêndio e principalmente, da falta de fiscalização e manutenção.

Alem do descompromisso de alguns construtores e fiscalizadores, nossas cidades - com seus edifícios e obras de arte, como pontes, viadutos e até a arborização e mobiliário -, estão envelhecendo e sem a devida manutenção, oferecem riscos aos usuários.

Aos profissionais da arquitetura e da engenharia, cabe fazer cumprir com rigor as leis e normas vigentes na execução dos projetos.

A manutenção dos edifícios é fundamental ao bom funcionamento e a segurança dos ocupantes. Vamos nos envolver com nosso ofício, no sentido de não permitir novos eventos trágicos como esses que estamos vivendo. Porque além dos limites da nossa responsabilidade, só podemos lamentar as vidas perdidas e torcer para que os responsáveis pelas tragédias não fiquem impunes!  

  • Queda de barragem, Samarco, Mariana, MG, 2015, 19 mortos e danos ambientais irreversíveis.
  • Incêndio do Edifício Wilton Paes de Almeida, SP, 2017, 1 morte e 248 pessoas desalojadas.
  • Incêndio do Museu Nacional do Brasil, RJ, 2018, perda irreparável de acervo histórico e científico.
  • Queda da barragem da Vale, Brumadinho, MG, 2019, 157 moros, 182 desaparecidos e danos ambientais irreversíveis.
  • Incêndio no CT do Flamengo, 2019, RJ, 10 mortos e 2 feridos com gravidade.
  • Queda da ciclovia Tim Maia, RJ, 2016, 2018 e 2019, 7 mortos.
  • Interdição de 2 torres com 106 apartamentos, por apresentar problemas estruturais, Vila Prudente, Morumbi, São Paulo, 2019.
  • Acidentes com ciclistas, Brasil, 32 hospitalizados por dia.
  • Prefeitura de SP, 2019, tem conhecimento de problemas estruturais em pelo menos 73 estruturas viárias urbanas no centro expandido, com infiltrações, armações metálicas expostas e rachaduras. Seis pontes, tem risco de colapso.

29 de nov. de 2019

Sistemas Estruturais e Prediais



É preciso considerar as interfaces entre o projeto arquitetônico e seus subsistemas. 

Os sistemas prediais são dinâmicos, respondem a mais solicitações e consequentemente sofrem mais desgastes durante a vida útil, portanto, devem ser funcionais e de fácil manutenção sem esquecer de proporcionar economia de recursos naturais. 

Os espaços técnicos devem ser pensados conjuntamente ao projeto arquitetônico, mas nem sempre isso é feito. Deixar para resolver como serão instalados os sistemas prediais depois que o projeto arquitetônico está pronto pode gerar alterações significativas no projeto ou limitar os sistemas prediais.  

Segundo Jourda (2013), os  locais técnicos podem chegar a ocupar 15% da área construída, em se tratando de projetos sustentáveis. Pois equipamentos como radiadores térmicos, inversores, cisternas de coletas de águas pluviais entre outros, precisam de grandes espaços para instalação, operação e manutenibilidade.  

Se o projeto foi concebido sem atender as demais disciplinas, ele provavelmente será alterado durante o processo de projeto na etapa de compatibilização, que é aquele momento onde todos os profissionais especialistas se juntam para sobrepor ao projeto arquitetônico todos os projetos (estruturais, hidrossanitário, elétrica, combate à incêndio etc). Nesse momento podem aparecer novas solicitações de espaços para sistemas e para a manutenção dos mesmos ao longo da vida do edifício. 

A manutenibilidade dos edifícios é muito importante e que não pode ser esquecida. Ao projetar, pergunte-se: Tem espaço para reparos? É seguro? Tem espaço para reconfigurar ou implementar novos sistemas? 


Não fazendo as adequações no projeto, nem na compatibilização, em último caso será feito na construção, o que geralmente não traz as soluções mais satisfatórias sob nenhum aspecto do edifício.

Perfurações de grandes dimensões para passagem de tubulações em vigas e pilares podem trazer problema para a estrutura. A execução de passagens transversais ou longitudinais devem ser analisados pelo engenheiro responsável, que vai definir as zonas neutras que não comprometem a viga, e evitar furos nas áreas coincidentes aos esforços de tração e ou  compressão.



Bibliografia
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575-6: Edifícios habitacionais de até cinco pavimentos. Desempenho parte 6– Sistemas hidrossanitários. Rio de Janeiro, 2008. 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SISTEMAS PREDIAIS. Manual de escopo de projetos e serviços de hidráulica. Rio de Janeiro: 2006. 

GNIPPER, S. F. Diretrizes para formulação de método hierarquizado para investigação de patologias em sistemas prediais hidráulicos e sanitários. 2010. 307 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.

JOURDA, Françoise-Helène, 1955. Pequeno Manual do projeto sustentável. Ed. 1. São Paulo: Gustavo Gílio, 2013.

MELHADO, S. B. et al. Integração concepção – projeto– execução de obras. In: ______. Coordenação de projetos de edificações. São Paulo: O Nome da Rosa, 2005. 






5 de jan. de 2016

Importação de modelos urbanísticos: As Ciclovias e a cultura de andar de bicicleta (que não temos)

Amsterdam, 2018

Parte expressiva da formação do arquiteto urbanista é o estudo de planos, projetos e legislação urbanística de países americanos e europeus tidos como modelos referenciais. Desde as renovações pioneiras de áreas centrais como as de Londres e Glasgow (Grã-Bretanha), Barcelona e Bilbao (Espanha), de Berlin e Hamburgo (Alemanha), passando pela experiência de Cerdá em Barcelona, nos Jogos Olímpicos de 1992, até as requalificações de infraestrutura portuária, como a de Puerto Madero, em Buenos Aires, ou do Saint Katherine´s Dock, no Rio Tamisa, em Londres. Para enumerar alguns projetos sobre os quais, certamente, todo estudante de arquitetura e urbanismo já se debruçou.

As cidades milenares são campo de intenso trabalho de remodelação, reavivamento e reuso do tecido urbano. São camadas, palimpsestos[1] de projetos que avultam instrumentos legais para as politicas públicas, além de tecnologia construtiva de restauro para reforma e construção. A expertise internacional está sendo lapidada há séculos e tem eficiência comprovável nas cidades europeias, através da conservação do patrimônio arquitetônico e cultural, da ordem conscienciosa entre tudo e todos que convivem no meio urbano e do abrangente sistema de modais de transporte público, que mantem a fluidez dos moradores e visitantes e o uso integral dos espaços.

No Brasil, os principais instrumentos internacionais de urbanização foram transportados para o Estatuto da Cidade e para os Planos Diretores e Estratégicos das grandes cidades. São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Recife, foram algumas das cidades que implantaram festejados modelos de requalificação de áreas centrais e portuárias. Se eles funcionam como lá fora, no entanto, é outra questão.


Alguns críticos questionam a importação de modelos sem considerar as especificidades, realidade local e fragilidades sociais e consideram que a adoção de "ideias fora de lugar" (SCHWARZ, 1999, 98 apud MARICATO 2000, 121), é solução, quando muito,  parcial. A última e mais marcante intervenção nacional, que tem os melhores precedentes em muitos países da Europa, Ásia e América do Norte, é um exemplo dessa condição de pertinência. Sim, estamos falando das Ciclovias na cidade de São Paulo. 

Presumidamente, o projeto de ciclovias implantado em São Paulo, não tem a adesão esperada. É presunção pelo fato de não haver ainda, nenhum estudo publicado com dados sobre um eventual aumento nas vendas de bicicletas; diminuição do número de carros nas ruas; diminuição do número de pessoas nos transportes públicos; aumento do número de locação de bicicletas nos bicicletários do metrô etc. Mais é visualmente verificável em trechos pouquíssimos utilizados, onde se observam obstáculos como árvores, buracos e desníveis, além da evidente falta de segurança causada pela invasão de carros, motos e até ônibus nas ciclofaixas sem balizadores.
Av. Cineasta, Butanta, Jan. 2021
Rua Cineasta, Butantã, 2021

Uma analise anterior às condições das ciclovias que queremos, é pensar os ciclistas – que não temos. Andar de bicicleta é algo cultural e em cidades como Amsterdã e Copenhague, mais da metade dos moradores pedalam diariamente, sem necessariamente terem ciclofaixas ou pistas exclusivas. Também no Japão, onde existem pouquíssimas ciclovias e as bicicletas seguem sempre à esquerda dos carros e todos juntos são responsabilizados por problemas que possam ocorrer no convívio nem sempre fácil.

São Paulo apresenta grande dimensão territorial, com topografia irregular e traçado orgânico o que prejudica, quando não inviabiliza o deslocamento de veículos não motorizados, fato que justifica o paulistano não ter culturalmente o hábito de andar de bikes nas ruas. Afora a lacuna na cultura, as ciclovias por si só não resolvem, pois é preciso oferecer também modais para vencer os quilométricos percursos dos trabalhadores e prováveis usuários. Quem sabe até uma balsa sobre o rio Pinheiros?

Será que faltou um planejamento integrado? Será que a Prefeitura deveria criar incentivos para a aquisição e uso de bicicletas (nos moldes do que o governo federal fez para vender mais carros)? Será que novas leis deveriam ser criadas para disciplinar o compartilhamento do trânsito?

Seja como for, depois de décadas aplicando inalterados modelos urbanísticos, temos alguns “estudos de casos nacionais”. Esses tropeços nos ensinaram que bons modelos urbanísticos, como as ciclovias, podem e devem ser adotados, desde que adaptados à realidade local.



Referências Bibliográficas:
Maricato, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. Em A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 2000 – Editora Vozes
Sites:
http://veja.abril.com.br/blog/cidades-sem-fronteiras/transporte-e-transito/ciclovias/


http://www.japaoemfoco.com/regras-para-quem-anda-de-bicicleta-no-japao/







[1] Substantivo masculino. Papiro ou pergaminho cujo texto primitivo foi raspado, para dar lugar a outro. (http://www.dicionarioinformal.com.br/palimpsesto/)

2 de set. de 2014

Como organizar livros na estante

“A house that has a library in it has a soul.” (Plato)




Considere cada caso. Algumas estantes serão apenas decorativas e seguirão as mesmas regras do design do ambiente. Mas, na maioria dos casos, as estantes serão constantemente manipuladas e o desafio é criar uma organização funcional que também seja bonita.

Quanto ao desenho da estante:
·         Materiais: Madeira Natural ou industrializada; com estrutura de ferro ou alumínio e prateleiras em vidro ou madeira.

Estrutura de alumínio com prateleiras de madeira - foto: Pinterest


Ferro, de Ettore Sottsass - foto: elle.fr


 ·         Acabamentos: com ou sem revestimento laminado, pintada ou envernizada.


Bookcase - Gio Ponti

·         Diferentes formatos: Piso-teto; meia parede; ondulada; circular; nichos suspensos; prateleiras com mão francesa; com ou sem gavetas; com ou sem portas; com ou sem fundos.



Nichos abertos - foto Pinterest
Nichos fechados - foto: Pinterest


·         As medidas ideais estão entre 35,0 a 40,0cm de altura e 30,0 a 40,0cm de profundidade.
·         Iluminação especial: nos fundos; direcionado (na lombada dos livros); na parte superior.
·         Considere o uso de caixas auxiliares para revistas, acessórios como aparadores e divisores de livros e objetos decorativos (quadros, vasos, etc).

Divisores divertidos - foto: Pinterest




Aparadores para livros



Quanto ao ambiente:
·         O uso da cor promove alterações físicas, mentais e cognitivas nos usuários do espaço, portanto considere o propósito do esquema de cores de acordo com o caráter do ambiente, que pode ser sóbrio e introspectivo (cores frias como o azul e o cinza) ou alegre e coletivo (cores quentes como o vermelho e o amarelo).

Ambientes neoclássicos em azul - fotos: Tumblr

Modulados em cinza e preto - fotos: espritdesign e Pinterest


Modulada - foto: Pinterest |  Ettore Sottsass - foto: elle.fr | livros organizados - foto: Pinterest 


Ondulada - foto: retreatbyhandomhouse | Colorida - foto: casaejardim 
Maarten de Ceulaer 


·         A iluminação deve contemplar focos direcionáveis em pendentes, luminárias e abajures, além da iluminação geral, para maior conforto visual.
·         A ventilação e insolação devem ser evitadas diretamente sobre os livros, mas devem ser pensadas no sentido de manter o ambiente salubre e confortável.
·         Nos ambientes de leitura, distribuir poltronas individuais, confortáveis e com apoio para os pés, com mesas laterais e iluminação direcionável com lâmpada que não aqueça o ambiente. Pontos elétricos para ligar cabos de computadores e demais eletroeletrônicos.


Quanto aos livros:
·         Se a capa estiver velhinha, a solução é encapar novamente com papel interessante, liso ou estampado ou com tecido.
·         Para conservação das bordas das páginas que ficam expostas à poeira, basta passar uma folha de sulfite sobre a borda desprotegida, prendendo entre as capas as duas extremidades da folha.
·         A limpeza deve ser semanal, a seco, preferencialmente com espanador de penas.


Quando o assunto é organização de livros, existem muitas fórmulas para criar estantes visualmente atraentes, principalmente, quando compor prateleiras é uma questão apenas cenográfica.

Em alguns locais, como nos ambientes de show room de lojas ou em mostras de decoração ou em salas de espera de grandes escritórios ou empresas, a estante de livros será unicamente decorativa e nesses casos, o planejamento segue as mesmas regras do decôr do ambiente quanto aos materiais e cores. O ideal é criar uma estante harmônica, com objetos bem escolhidos em quantidade, tamanho e cores. A escolha dos livros será de acordo com a cartela de cores do ambiente e com a altura e largura dos nichos. Os objetos de decoração, também serão planejados e definidos em função do tamanho dos nichos e espaço entre os livros, ainda pela cor e textura.

Existem em São Paulo sebos especializados em livros para fins decorativos, como “O Belo Artístico”, no Jardim América, “Sebo Liberdade” e o “Sebo do Messias”, ambos na região central. Os livros são vendidos por unidade ou metro linear. (ver mais sobre: http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2013/05/1272859-sebos-vendem-livros-por-metro-para-decoracao-de-escritorios-e-residencias.shtml). 

Lombadas de livros antigos



     Muito mais comum, porém, é a organização de estantes “vivas” em casas, escritórios e empresas onde os usuários do ambiente serão leitores de fato e os livros constantemente manipulados.

Existem várias formas de organizar funcionalmente uma estante. A mais comum é aquela encontrada nas livrarias e bibliotecas, onde os tomos são separados por autores, gêneros ou títulos. Mas, esse modelo é unicamente funcional e a resultante é uma estante com livros misturados (cores e tamanhos), sem nenhuma atração estética.

Então, como organizar uma estante “viva” funcionalmente e ainda assim, contribuir para o decôr do ambiente?

A estética pressupõe o equilíbrio visual, então teremos que trabalhar com os tamanhos e cores das capas. Considere que os livros têm tamanhos padronizados, como os 14×21cm, 16×23cm, 21x28cm, de bolso, os Paperbacks e Hardcovers. Comece por separar os livros por lotes:

- livros já lidos;
- à serem lidos;
- eventualmente consultados e
- sempre à mão.

Dentro de cada lote, separe por tamanho, por cor e textura da capa e lombada (tem livros de couro, papelão etc), de modo a fazer pequenos blocos de livros de acordo com seus tamanhos e cores. Organize as pequenas pilhas começando com o maior até o menor livro, disponha os volumes empilhados na horizontal e na vertical, intercalando com objetos de decoração.



Organização por cor - foto:lolahome
Organização por cor - foto: Pinterest


Pilisborosjeno, Pest, Hungary
 foto: archdaily

    Cadastre em uma planilha Excel todos os livros, de acordo com as posições dos blocos na estante. Existem aplicativos para gestão dos livros, como o Alfa eBooks Manager, programa gratuito para Windows que permite que você organize seus livros físicos (de papel) e livros digitais em uma biblioteca virtual.




GLOSSÁRIO:
Hardcover book - livro de capa dura, encadernado com papelão, tecido ou couro.
Paperback book - livro de capa de papel, brochura, livro de bolso.


30 de jul. de 2014

O Significado do Objeto

A IKEA é uma companhia privada, de origem sueca, fundada em 1943, apresentou em uma exposição em Lyon, França, um apartamento de 100m² com móveis superdimensionados que convidavam os visitantes a reviverem sua infância.



O realismo fantástico visto nas novelas “Saramandaia” (Dias Gomes, 1976) e “Meu Pedacinho de Chão” (Benedito Ruy Barbosa, 1971) popularizou esse gênero que se manifesta através de personagem que vira lobisomem em noite de lua cheia, que tem asas que brotam da corcunda e que explode de tanto comer. De cavalo inanimado que se movimenta através de engrenagens, de figurino elaborado com bugigangas impensáveis e de cenários coloridos e fortemente expressivos.


E as reflexões propostas – por vezes dolorosas -, se afloram nesse cenário de encantamento.  


Na literatura, em especial “Cem Anos de Solidão” (1967), obra máxima do realismo fantástico Latino americano do colombiano Gabriel García Márquez, o leitor mentalmente compõe os cenários descritos no livro. Desenha mentalmente as muitas gerações de Arcádio, Aureliano e Amaranta, enquanto espera que o pergaminho se revele à medida da morte de algum personagem. Novamente, a narrativa fundida com elementos fantásticos e fabulosos, é usada para complementar a palavra, num tempo de ditadura e de vigilância cerceante.  

O realismo mágico, também se manifestou nas artes e arquitetura e influenciou notáveis escritores como o cubano italiano Ítalo Calvino (1923-1985), que escreveu “As Cidades Invisíveis” (1972) um substrato de reflexões acerca do urbanismo.

Realismo mágico nas ruas: Os Gêmeos          

Realismo mágico de Carlos Arturo Torres Tovar,
para a Peugeot
     
O realismo fantástico no espaço

No outro extremo da comunicação visual do teatro o Teatro do Absurdo nasceu do Surrealismo, explora os sentimentos humanos quando nos limites da neurose e rompe com a lógica aristotélica. O siciliano Luigi Pirandello (1867-1932) ajudou a revolucionar essa arte performática e sobre o simbolismo do objeto escreveu:

“Cada objeto[1] costuma transformar-se, em nós, segundo as imagens que evoca e reúne, por assim dizer, em seu redor. É claro que um objeto também pode agradar por si mesmo, pela diversidade das sensações agradáveis que suscita em nós numa percepção harmoniosa; mas bem mais frequentemente, o prazer que um objeto nos dá não se encontra no objeto em si mesmo. A fantasia embeleza-o, cingindo-o e quase projetando nele imagens que nos são queridas. Nem nós o percepcionamos já tal qual como ele é, mas quase animado pelas imagens que suscita em nós ou que os nossos hábitos lhe associam. No objeto, em suma, nós amamos aquilo que nele projetamos de nosso, o acordo, a harmonia que estabelecemos entre nós e ele, a alma que ele adquire só para nós e que é formada pelas nossas recordações. Luigi Pirandello (1867-1932)

O objeto, segundo Pirandello, é parte real e parte significado. É uma cadeira de balanço e é o local onde minha avó se balançava por horas. É uma janela e é a minha interface com a cidade. O objeto enfim, é significante e significado.

Martin Julius Esslin, um austríaco produtor, argumentista, jornalista, adaptador, tradutor, crítico, acadêmico e erudito professor de arte dramática (Ufa!), cunhou o termo "Teatro do Absurdo" em seu trabalho hômonimo de 1962. Outros estilos são por vezes confundidos com o teatro do absurdo, como o Vaudeville, Nonsense e Burlesco, mas algumas singularidades o tornam único conforme definido por Esslin:

“O teatro do absurdo se esforça por expressar o sentido do sem sentido da condição humana, e a inadequação da abordagem racional, através do abandono dos instrumentos racionais e do pensamento discursivo e o realiza através de 'uma poesia que emerge das imagens concretas e objetificadas do próprio palco.“ (Martin Esslin, 1918-2002)

O teatro do absurdo influencia a mensagem através dos objetos cênicos, da iluminação densa e utópica e dos figurinos. Esperando Godot (1952), escrita pelo dramaturgo Irlandês Samuel Beckett (1906-1989), é considerada a principal obra do teatro do absurdo e a abordagem estética das muitas montagens, sempre se faz pelo vazio, a estrada, a árvore e a noite.

Montagens de Esperando Godot

Poucos elementos em cena, dois personagens em angustiante espera e a plateia “lendo” as pausas, os vazios, as folhas que aparecem na árvore no segundo tempo, os personagens que vão e que vem, a mala... Enfim, interpretando os objetos e gravitando em torno do eixo das intenções de Beckett.

É tão pouco e diz tanto! E não por acaso, a descrição da palavra minimalismo[2] faz referência as peças de Beckett. 

O teatro nos ajuda a refletir sobre a linguagem visual como meio de comunicação e elucida sobre a força do design minimalista na composição do espaço. Grandes mestres do design transportaram essas influencias para móveis, objetos e ambientes e nos anos de 1980, o design minimalista se estabeleceu como uma reação aos movimentos pós-modernos no design. Como os grupos Memphis, Alchymia e Zeus e designers como Donald Judd, Philippe Starck, Shiro Kuramata, John Pawson entre outros.



Móveis em acrílico, metal, aramado e espelhado: superfícies transparentes 


A reflexão sobre o significado do que vemos é substancialmente alterada pela forma do que vemos (no sentido do design) e como vemos (nossos olhos, nossas experiências) e nesse sentido, o design tem o poder de mudar a história. Parafraseando Pirandello (1867-1932), 

“Assim é se lhe parece!” 






[1] Significado de Objeto: Tudo o que se oferece à vista, que afeta os sentidos.

[2] A palavra minimalismo se refere a uma série de movimentos artísticosculturais e científicos que percorreram diversos momentos do século XX e preocuparam-se em fazer uso de poucos elementos fundamentais como base de expressão. Os movimentos minimalistas tiveram grande influência nas artes visuais, no design, na música e na própria tecnologia. O termo pode ser usado para descrever as peças de Samuel Beckett... (http://pt.wikipedia.org/wiki/Minimalismo), acesso em 29.07.14)



CALVINO, Ítalo. As cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1994
MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. Cem Anos de Solidão (Nova Edição), Rio de Janeiro: Editora Record, 2013