27 de ago. de 2013

Cidade Global: Mercantilização do espaço e da cultura

"Poderão me opor todos os argumentos sociológicos que queiram, não deixarei de responder que todas essas diferenças de cultura, de religião, de riqueza e de poder não são senão armadilhas...” (LEVY, Pierre, 2001)

A gestão que se tem atualmente nas cidades confere respostas competitivas a todo e qualquer desafio urbano, no objetivo de torna-las um produto global. A cultura na sua polivalência é um elemento de coesão sócio-espacial e nesse sentido, o espaço ou edifício renovado manipula o entorno selecionando seus usuários, impondo seus horários, atraindo atividades comerciais e de serviços correlatas. Na cidade global, o morador não será envolvido nas escolhas, mas provavelmente será atingido por elas.

Partindo do campo global para pensar na localidade, no pedaço, o entretenimento é um desejo legítimo de qualquer cidadão. A população deseja para as suas horas de lazer, atividades locais dentro do seu universo cultural e com as cores do seu bairro. A manipulação acontece pela imposição por grupos dominantes.

A cultura como ferramenta do planejamento das cidades é parte do branding do novo negócio cujo objetivo é aumentar o valor monetário da marca e assim, valorizar a empresa ou a cidade. Um espaço valorizado atrai capitais e divisas. O sucesso de Barcelona despertou os países ascendentes ao ponto de haver projeto de lei no Brasil, proposto pelo (falecido) deputado Clodovil Hernandes, para constituir uma equipe técnica para aprender como planejar as cidades brasileiras, na Espanha. Os consultores catalães aliam o sucesso de Barcelona aos conceitos e metodologias do planejamento estratégico empresarial e tem como resultante uma cidade articulada como uma grande empresa.

Como exemplo de bom uso do espaço urbano, as bem sucedidas experiências da Inglaterra na implantação do bairro Poundbury, extensão da cidade de Dorchester, em 1989, a qual tem destaque os princípios elementares elaborados pela Foundation for the Built Environment:
1. Lugar: o projeto deve tirar partido das características que fazem com que um lugar seja único; não é bom ter um empreendimento anônimo como caráter.
2. Hierarquia: a constituição física de um edifício deve refletir sua função e sua importância.
3. Escala: os edifícios devem se relacionar com a escala de quem deles faz uso; o edifício e a dimensão de seus espaços não devem ser exageradas ou indiferentes.
4. Harmonia: um edifício deve ter individualidade não deixando de interagir com a vizinhança.
5. Limite: o espaço de controle público e o privado devem ser claramente delimitados, assim como o espaço urbano e o rural.
6. Materiais: o projeto deve utilizar materiais locais que se mesclem com a paisagem e envelheçam com dignidade.
7. Decoração: os projetos devem ser ornados com obras de artistas e de artesãos, principalmente regionais.
8. Comunidade: a comunidade local deve participar de todas as fases do projeto.
9. Espaço público: as áreas externas às edificações incluindo sinalização, iluminação artificial e o mobiliário urbano, devem pensadas e detalhadas quanto o restante do projeto.
10. Permeabilidade: o conjunto edificado deve permitir passagem através de seus volumes, facilitando o percurso de pessoas e mercadorias.
11. Durabilidade: as edificações devem ser sólidas permitindo uma vida longa, se adaptando a novos usos quando o uso anterior não mais interessar.
12. Valor: o projeto de um edifício deve considerar parâmetros econômicos.
13. Qualidade: um edifício deve ser concebido com maestria devendo refletir a qualidade da construção.

Andamos um passo atrás quando adotamos modelos de renovação urbana que reaproveitam a construção existente ou que renovam com novos edifícios em detrimento da memória histórica e cultural do lugar e da identidade de seus moradores.   Os conceitos e métodos para o resgate dos edifícios e áreas degradadas devem ser corrigidos e realinhados considerando seus recortes territoriais. Ainda pode-se pensar em fundi-los com outros métodos menos comerciais que pensam no indivíduo, no morador local.

Ainda parafraseando Pierre Levy (2001), “Não precisamos de sociólogos para nos ensinar que existe uma hierarquia social. Isso sabemos muito bem. Precisamos aprender que NÃO há nem hierarquia social, nem alto, nem baixo, e que todas as distinções NÃO tem importância. É isso que poderia verdadeiramente contribuir para mudar a sociedade."


Referência Bibliográfica:
ARANTES, Otília, VAINER, Carlos, MARICATO, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no Pedaço: Cultura popular e Lazer na Cidade. São Paulo: Editora Hucitec, 1998.
LEVY, Pierre. A Conexão Planetária: O Mercado, O Ciberespaço, A Consciência. São Paulo: Editora 34, 2001.
MACEDO, Adilson Costa. O Novo Urbanismo na Europa.  (http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.094/158-Acesso em 01/12/2011)

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