30 de ago. de 2013

Hibridização: desterritorialização e reterritorialização da educação e cultura


"A noção de uma cultura autêntica como um universo autônomo e internamente coerente não é mais sustentável."

“Certas mudanças nas normas institucionais, nos currículos e na pedagogia, parecem cruciais para a democratização das instituições de ensino na próxima década.”

Em “Culture & Truth: The Remaking of Social Analysis” (ROSALDO, 1993), os temas propostos centram-se no multiculturalismo e nas vantagens acadêmicas da diversidade nas salas de aula, possibilitadas pela composição heterogênea dos alunos (homens, mulheres, gays, lésbicas, brancos, amarelos, negros etc), pela proposição de novas leituras _ para além dos canônicos da literatura _, e ainda pela interdisciplinaridade de cursos nas disciplinas básicas (antropologia e etnologia), aos moldes da Universidade de Stanford, onde Renato Rosaldo é professor de antropologia e cultura. 
“A reconstrução da análise social em Cultura e Verdade, foi inspirada pelas lutas travadas dentro das instituições, por seus membros.” (ROSALDO, 1993)


No capítulo “Nostalgia Imperialista”, o autor coloca o quanto somos “enganados” em nossas reminiscências culturais pela nostalgia e faz um paralelo entre o sentimento pueril provocado pelas lembranças da infância e o passado histórico / cultural obtuso que se esconde sob o mesmo disfarce inocente. Isso de certo modo, influenciou no desenvolvimento social das nações, em primeira análise a americana, que impiedosamente, segregou e subjugou o florescimento de outras formas de cultura, à sua própria.

“A nostalgia imperialista gira em torno de um paradoxo: uma pessoa mata alguém, e depois lamenta a vítima. De forma mais atenuada, alguém deliberadamente altera uma forma de vida, e depois lamenta que as coisas não tenham ficado como eram antes da intervenção.” (ROSALDO, 1993)

O autor reacende a discussão sobre o processo civilizatório a partir do resgate da história dos Ilongots _ tribo que (ainda) habita o sul de Sierra Madre e Montanhas Caraballo, no lado leste da ilha de Luzon, nas Filipinas, que foi tomada por exército _, através do olhar de seu algoz, o tenente Wilfrid Turnbull, um tenente da Polícia que durante a primeira década deste século, passou algum tempo entre os Ilongots (1909 e 1910), quando foi em busca dos homens que assassinaram um etnógrafo americano chamado William Jones. O autor se vale das citações de Turnbull (publicadas na Philippine Magazine, 1929), para analise do conteúdo textual com a construção de virtuosa crítica antropológica, etnológica e cultural.   

Rosaldo discute o papel dos antropólogos na evolução do ensino, sob o ponto de vista da cidadania cultural e da democracia educacional. Propõe um novo padrão de reorganização educacional, mais abrangente e multicultural, o que remete a uma reterritorialização cultural. O autor resolve assim, deliberadamente, a desterritorialização proporcionada pela perda da relação da cultura com os territórios geográficos e sociais, que foram as marcas deixadas pelo imperialismo econômico e cultural.

Os dispositivos utilizados pelo imperialismo ainda reverberem na produção científica, artística e comunicacional, pois se mantem onipresentes na nossa memória histórica, através dos marcos históricos presentes na trama visual da cidade e do excludente e segregador modelo de ensino. 

Para Moreno1, a interlocução entre a universidade, a arte e os movimentos sociais são "mobilizadores de subjetividades e políticas de resistência". Ele pontua aspectos sobre a expansão dos ditos signos artísticos como ação transformadora da realidade e cujas relações são "transitivas com o meio ambiente", o que faz emergir novos mapas e representações do fazer arte. Para ele, “é providencial pensarmos como nossas ações e reações cotidianas são, de fato, dilatações corpóreo-artísticas de uma organicidade complexa que (se) engendra (m) na cidade”.

Hegel desenvolveu uma idéia acerca da formação cultural como uma criação artística.  Mas dentre os arquitetos e designers da nova arte moderna, Mondrian foi o maior entusiasta da confluência entre desenho industrial, estética racionalista e o ideário de uma obra de arte total, um projeto de transformação social, de organização da vida individual e coletiva, como um novo sistema de valores éticos e sociais e como o sistema de uma civilização nova, concebida como um todo. O Pós-moderno inaugurou a reprogramação terapêutica e compensadora de identidades sociais, paisagísticas ou culturais, a implantação compulsória de símbolos de identificação ou a criação de espaços alternativos de comunicação. (...) O simulacro cultural dos meios de comunicação gerou novos sistemas de socialização e modificação da conduta.

Quando Whilhelm Richard Wagner, compositor alemão do século XIX, falava em “obra de arte total” em sua obra intitulada “Das Kunstwerk der Zukunft” ou “A Obra de Arte do Futuro”, propunha a convergência entre as linguagens artísticas produzindo um espetáculo completo. Para o compositor as artes não deveriam estar isoladas umas das outras, já que o homem é um ser de linguagem. A “obra de arte total” proposta por ele, considerava uma teoria global para todas as artes, indo na contramão dos limites impostos pela Arte até o século XIX, que considerava apenas as linguagens artísticas de forma separada.

O poder do simulacro reside na vida industrialmente programada que se revela uma perfeita criação artística: suplanta a existência cindida do homem moderno, sua consciência negativa, suas visões de desamparo e as esperanças de felicidade que só delas nascem, por sua réplica artificial, ao mesmo tempo artística, tecnológica e industrial, e configurar o espetáculo de sua vida, da sociedade ou da cultura como a única alternativa de sobrevivência.

A hibridização pode ser explicada dentro de dois processos fundamentais, sendo:
  1. quebra e a mescla das coleções organizadas pelos sistemas culturais;
  2. desterritorialização dos processos simbólicos e a expansão dos gêneros impuros.
Destas analises desvenda-se as articulações entre modernidade e pós modernidade, entre cultura e poder. Contudo, a vida urbana transgride a cada momento essa ordem. No movimento da cidade, os interesses mercantis cruzam-se com os históricos, estéticos e comunicacionais. As lutas semânticas para neutralizar, perturbar a mensagem dos outros ou mudar seu significado, e subordinar os demais à própria lógica, são encenações dos conflitos entre as forças sociais: entre o mercado, a história, o Estado, a publicidade e a luta popular para sobreviver.

As buscas mais radicais sobre o que significa estar entrando e saindo da modernidade são as dos que assumem ás tensões entre desterritorialização e reterritorialização. Com isso surgem dois processos, a:
  1. perda da relação "natural" da cultura com os territórios geográficos e sociais;
  2. certas relocalizações territoriais relativas, parciais, das velhas e novas produções simbólicas.
      
     Renato Rosaldo aponta como meio para costurar esse apartheid, a hibridização intercultural que revalidaria as identidades, atualizando e aproximando continentes, globalizando-os.




1    O psiquiatra austríaco Moreno in A cultura como obra de arte total.




Referência bibliográfica:
ROSALDO, Renato. Culture & Truth: The Remaking of Social Analysis. Beacon Press, 1993



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui a sua opinião!