27 de ago. de 2013

Cidades do ontem

O livro “Cidades do Amanhã” (HALL, 2005), conduz o leitor a uma reflexão sobre o panorama da arquitetura mundial. Analisa cidades como Londres, Nova York, Chicago, Paris e Brasília a partir da leitura de projetos e de obras literárias e levanta questões arquitetônicas e sociológicas fundamentais para compreensão da cidade contemporânea. A literatura e as expressões artísticas em geral, resgatam importantes partes da história e os elementos imagéticos, pictóricos, fílmicos e textuais produzidos pelas artes são por excelência, referenciais históricos e comportamentais.

Um levantamento para caracterização de determinada informação, abrange diferentes tipos de analise e leitura, em que seja possível a sua conceituação etimológica (origens e história), denotativa (a que se encontra no dicionário) e conotativa (aquela que é entendida de forma corrente), lançando mão para isso do universo das artes.

O resgate das cidades do ontem através das artes é amparado na produção de intelectuais, pintores e demais artistas que pensaram suas realidades dentro de um recorte temporal e espacial por eles vivenciado e é mais que uma aventura poética. E se o campo de investigação é a cidade, os filmes possuem vasto acervo a ser pesquisado. A sétima arte além de guardar o passado, também especula sobre as cidades do amanhã e de como seria o "fim".

Os filmes repositórios das cidades brasileiras do passado surgiram ainda no século XIX, embora a indústria cinematográfica tenha se estruturado a partir do século XX, quando surgiram os primeiros estúdios cinematográficos no Rio de Janeiro. Em São Paulo, na década de 1950 foi implantada a Companhia Cinematográfica Multi Filmes em Mairiporã e a Companhia Cinematográfica Vera Cruz em São Bernardo do Campo, das quais ainda existem títulos disponíveis com temas urbanos onde a abordagem é principalmente a metrópole mecanizada.

Para a caracterização dos parques urbanos na dissertação de mestrado “Parques Urbanos Sul-americanos: Imaginação e Imaginabilidade” (KOCH, FAU|USP, 2009), a literatura nacional ofereceu subsídios para a compreensão dos aspectos morfológicos dos parques pesquisados. “O Tempo nos Parques” de Vinícius de Moraes (O Encontro do Cotidiano, 1986, p 235), registra:

“O tempo nos parques é íntimo, inadiável, imparticipante, imarcescível.
Medita nas altas frondes, na última palma da palmeira
Na grande pedra intacta, o tempo nos parques.
O tempo nos parques, cisma no olhar cego dos lagos
Dorme nas furnas, isola-se nos quiosques
Oculta-se no torso muscular do fícus, o tempo nos parques.
O tempo nos parques gera o silêncio do piar dos pássaros
Do passar dos passos, da cor que se move ao longo.
É alto, antigo, presciente o tempo nos parques
É incorruptível; o prenúncio de uma aragem
A agonia de uma folha o abrir-se de uma flor
Deixam um frêmito no espaço do tempo nos parques.
O tempo nos parques envolve de redomas invisíveis
Os que se amam; eterniza os anseios, petrifica
Os gestos, anestesia os sonhos, o tempo nos parques.
Nos homens dormentes, nas pontes que fogem, na franja
Dos chorões, na cúpula azul o tempo perdura
Nos parques; e a pequenina cutia surpreende
A imobilidade anterior desse tempo no mundo
Porque imóvel, elementar, autêntico, profundo
É o tempo nos parques.”

A poesia resume percepções acerca de pequenas manifestações sensoriais, a quintessência dos parques para Vinícius de Moraes e de certo modo, conceitua o ideal paisagístico para parques urbanos do período, com suas paisagens pastoris e seus extensos gramados. Espaços plácidos que obliteravam o tempo e que incutiam uma atitude passiva e contemplativa do usuário, nesse caso o autor. O parque descrito é um espaço sem registros, de “redomas invisíveis”, talvez porque tivesse destituído o urbano e todos os referenciais que são marcadores de tempo na cidade, revelando então sutilezas como, ruídos, ventos, cores, texturas e perfumes.

Mesmo um resgate poético deve ser contextualizado. O Livro de Vinícius de Moraes “Poemas, Sonetos e Baladas”, ilustrado com desenhos de Carlos Leão foi lançado em 1946 _período que o autor era vice-consul do Brasil em Los Angeles, Califórnia (EUA)_, relata a vivência do autor com paisagens de parques urbanos americanos, como exemplo o Central Park de Nova York, criado por Frederick Law Olmsted. No entanto, confrontando com a contextualização formal \ projetual dos parques nacionais ficou evidente a aplicação dos conceitos de Olmsted, revelando que alguns parques nacionais nasceram “contaminados” pelos ideais hegemônicos dos países centrais, que sempre permearam o campo da arquitetura e do urbanismo. As palavras de Olmsted reforçam as de Vinícius de Moraes:

“...não costumo classificar mais do que vinte delas como parques. Pois reservo este termo para lugares que se distinguem não por possuir árvores, sejam elas isoladas, em grupos ou em maciços, ou por possuírem flores, estátuas, estradas, pontes ou ainda, coleções disso ou daquilo. Reservo a palavra parque para lugares com amplidão e espaço suficientes e com todas as qualidades necessárias que justifiquem a aplicação a eles daquilo que pode ser encontrado na palavra cenário ou na palavra paisagem, no seu sentido mais antigo e radical, naquilo que os aproxima muito do cenário.”  (Olmested, 1983)

Nesse caso, reviver o parque através de outros olhares colaborou para encaminhar as leituras considerando a hipótese de simulacro.



Referência Bibliográfica:
HALL, Peter. Cidades do Amanhã. São Paulo: Perspectiva, 2005
MERLEAU-PONTY, Maurice. In: O olho e o espírito. Textos selecionados; seleção de textos Marilena de Souza Chauí; tradução e notas Marilena de Souza Chauí e Pedro de Souza Moraes. São Paulo, Nova Cultural, 1989.
MORAES, Vinícius. O Encontro do Cotidiano, p 235, in Biblioteca Luso-Brasileira - Série Brasileira. Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar SA, 1986, 787 pEsta epígrafe agrupa todas as composições publicadas no livro intitulado: “Poemas, Sonetos e Baladas”.
OLMSTED, Frederick Law. Creating Central Park 1857-1961. Baltimore: The John Hopkins University, 1983
KOCH, Mirtes B & Minami, Issao (orient)– Parques urbanos sul-americanos: imaginação e imaginabilidade . São Paulo: FAUUSP, Dissert. Mestrado (Trabalhos Programados), 2009
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